terça-feira, 10 de abril de 2012

Os cinco e o caso da praia (despretensiosamente)

Zé era uma rapariga de cabelos rebeldes e encaracolados que vivia em Kirrin com os seus pais e o seu cão Tim. Não era uma rapariga como outra qualquer, facilmente confundida com um rapaz e orgulhando-se dessa sua característica particular.
Quem conhecia (mal) a Zé diria que era mal educada, desagradável e bicho-do-mato. Difícil de agradar e ser agradada, passava a maior parte do tempo a brincar com o Tim ansiando pelas férias passadas com os seus primos, Júlio, David e Ana.
Os cinco (contando com o Tim, claro!), ávidos por aventura, encontravam sempre forma de se meterem em sarilhos (e sair deles airosamente, também!), e juntos contaram às crianças do antigamente histórias em todos os tipos de cenários imaginários: na vastidão do mar, em ilhas isoladas, nas altas montanhas ou em grutas profundas, em mansões assombradas e outras ruínas abandonadas, nas densas florestas, em lagos negros e até nos circos forasteiros...
Criado por uma célebre escritora, este grupo unido imortalizou o conceito de aventura no seio infanto-juvenil e inspirou a geração que veio a seguir. Eu, inclusive.

O vento chicoteava as janelas circulares do farol e empurrava a chuva picada. Tinha escolhido uma bela noite para discutir com o pai, à mesa de jantar, e fugir do casal Kirrin, com o fiel Tim seguindo-a como uma sombra, como sempre.
Correu instintivamente, sem parar, e foi ter onde sempre ia quando se aborrecia. Percorria as crinas das dunas, explorava as grutas ao longo dos penhascos, lançava no ar paus para o Tim brincar e preguiçava na areia quente durante horas até se atrasar para o jantar. Não havia palmo que não conhecesse naquela enseada ou pedaço de mar onde não tivesse mergulhado.
Procurando abrigo da tempestade, refugiou-se no farol entrando por uma grelha rachada. Descobrira-a uns dias antes e, entusiasmada, resolvera manter um segredo só seu, camuflando a entrada com pedras que arrastara da praia até ali.
Encharcada, a tremer de frio, subiu até à bateria e esperou que a chuva aliviasse, embora suspeitasse que iria trovejar. Por aquele andar regressaria a casa só no dia seguinte, deixando os pais loucos de preocupação. Sem dúvida nenhuma que lhe esperava o maior castigo de todos os tempos...
Encostou-se num canto à parede gelada e húmida para se sentar com o Tim, mas algo lá fora despertou-lhe a atenção.
Protegendo-se da luz que piscava regularmente sobre as escarpas acidentadas, Zé viu, para lá das ondas assanhadas, uma pequena embarcação ser sacudida pelo mar. Distinguiu dois vultos escuros que manobravam o barco com dificuldade, em direção à praia. Dali o panorama não parecia estar fácil, com o mar encrispado abrindo-se para os engolir.
Não estavam muito longe do areal, mas naquele cenário medonho isso pouco importava. Tão depressa podiam atirar-se para a expectativa de um lençol recolhido, como serem subitamente puxados para o abismo e naufragarem entre os túmulos submersos.
Um relâmpago rasgou o céu, iluminando tudo à sua volta, e ela ficou com a ideia de ter visto um deles atirar qualquer coisa borda fora. Inclinou-se mais para a frente para ver melhor, colada à janela, na altura em que ribombou no ar o trovão denunciado segundos antes, sobressaltando-a. Estava novamente escuro, e deixou de ver.
Arriscou descer novamente as escadas em caracol até lá abaixo. Tim seguiu-a fielmente. O vento uivava atrás das suas costas, perseguindo-a até à grelha. Desta vez não teve tempo de colocar as pedras no devido lugar.
Saiu para o meio da tempestade, acautelando-se para não dar um passo em falso na falésia escorregadia. Segurava o Tim pela coleira, encolhido perante o temporal. Outro relâmpago. Olhando em frente, não viu a embarcação e ficou apreensiva. Apressou-se para o esconderijo que tinha em mente, de onde poderia observar com mais segurança, mas percebeu que não tinha tempo, pois ouviu vozes grosseiras trazidas pelo vento agreste e o Tim rosnou baixinho.
- Fixaste o sítio?
- Sim. - respondera outra voz diferente.
- Amanhã à noite... - o trovão ressoou novamente no céu, com um intervalo mais curto e um som infernal, assustadoramente próximo. O Tim ganiu e recuou um pouco.
- Rápido!... esconder o barco... o Quim... voltamos à mesma hora... resgatar o pacote... puxa desse lado...
Não via nada, estava desprotegida numa área aberta e desorientou-se momentaneamente, o suficiente para sentir medo, apesar de estar com o Tim. Mas para seu alívio as vozes tornaram-se mais soltas, até serem fragmentos impercetíveis.
Mediu rapidamente a situação e pensou que talvez fossem bandidos. Não queria nada dar de caras com aqueles dois na praia! O que quer que fosse que eles andavam ali a aprontar, e àquelas horas, era certo ser ilegal e demasiado perigoso para lidar com isso sozinha.
Deu um ligeiro esticão na coleira do Tim, que ficara mais relaxado à medida que as vozes se perdiam na tempestade, e voltaram para trás, saltando sobre as rochas e sobre as poças da chuva e, mais tarde, deslizando pelas estradas a caminho de casa.
Amanhã chegariam os primos e ela tinha uma história fantástica para lhes contar! Não iam acreditar! Uma nova aventura para se dedicarem em pleno nestas mini-férias. Ia tão entusiasmada a fazer planos que esquecera-se que, amanhã, o mais certo era estar de castigo...

2 comentários:

  1. Epá, agora fiquei cheia de vontade de reler os cinco...

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  2. Nem me digas nada. Já regressei a essa leitura anos mais tarde e, apesar de diferente, soube bem na mesma =)

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