quinta-feira, 5 de abril de 2012

No bosque do tempo

A chuva escorria-lhe pelas costas do cabelo ensopado. O vestido de algodão colava-se-lhe ao corpo, dificultando-lhe os movimentos e até a respirar. Era suposto ter frio, mas não sentia coisa nenhuma. Não sentia nada de nada, a não ser um grande vazio em torno dela. Persistiam apenas os ecos da enxurrada de água abrir poças no terreno plano, perturbar furiosamente o espelho negro da lagoa e despir as árvores da sua frágil vestimenta de Inverno.
Não havia lugar para o sal das lágrimas se misturarem com a água doce que se abatia do negrume do céu, e a manhã já ia avançada. Ele partira fazia algumas horas, as suas pegadas já se tinham apagado com a lama a ser arrastada através dos pés descalços dela, mas ainda não se movera.
Talvez, permanecendo assim imóvel, conseguisse enganar o tempo e manter tudo como dantes. Talvez, se esperasse um pouco mais, o visse retornar com uma fagulha que fosse no olhar, cavalgando ao longe, elegante na sua sela e o som oco dos cascos nos charcos. Talvez acordasse, muito em breve.
Assim esperava, sem pressa, mas com a dúvida e o desolamento a rondar avidamente, também eles expetantes e vorazes para a engolir num covil demasiado fundo e ardiloso. Uma prisão de almas solitárias e errantes. Um leito espinhoso e implacável feito à sua medida.
Pouco a pouco afundava-se no lamaçal, prendendo-se à memória de uma palavra insuficiente e de um olhar fugaz, nem tão pouco uma aproximação que lhe permitisse reter um aroma, uma desejável textura. Então era isto? Era este o sabor do fim?
Fechou levemente a mão e sentiu esse movimento, enferrujado, contrariado. Tinha os dedos frios, dormentes e rijos. Apercebeu-se agora que tremia. Começava a sentir e isso era mais doloroso que tudo o que alguma vez sentira.
Não tinha deixado de olhar em frente, mesmo transportando-se para trás no tempo. Desta vez não viu nenhuma sombra fugidia, nenhum vulto, nenhuma ilusão. De facto, mal conseguia ver um palmo em diante de tão carregada que era tromba de água. Não fazia ideia de quando a chuva daria sinais de tréguas ou de quando um tímido raio de sol encontraria caminho para despontar detrás de uma nuvem cinzenta.
Só estava ela ali, desprotegida perante o poder da natureza. Os animais tinham procurado o refúgio das suas tocas, mesmo aqueles que tinham suspendido a fuga, por breves instantes, para a observar, curiosos. Muito perto dela, sobre uma árvore menos despojada, protegido numa toca, um mocho acordado admirava-a com os olhos semi-abertos. Percebeu, ao mesmo tempo que ela, o movimento das mãos, o girar da roda de fiar e a tapeçaria a começar, e piou, contra todas as expetativas diurnas.
Foi quando ela se voltou e começou a caminhar.

Sem comentários:

Enviar um comentário