quarta-feira, 2 de maio de 2012

Um texto sobre a saudade

Não há como não sentir o travo rural de uns dias na aldeia, acordando com o embate das fortes e pesadas chuvas nas telhas de barro. O frio arregaça-nos a pele e entranha-se nos ossos, dentro de quatro paredes de pedra, revestidas, do lado de fora, e nesta altura do ano, por uma delicada camada de musgo. Em lado nenhum, como lá em cima, o conforto de uma manta perdida sabe tão bem.
À noite, os serões acontecem à lareira. As histórias são de fantasmas e outros temas do sobrenatural, entre risos e gargalhadas, dos mais jovens aos mais velhos. Mas não há rostos pálidos de medo, só o rubor das bochechas aquecidas.
Os pratos sujos do jantar permanecem longas horas na mesa, desalinhados após o repasto, os legumes da horta escrupulosamente dispostos a um canto, rejeitados pelos mais novos. Uns comem à mesa, outros no sofá.
Um desses dias amanheceu serrano, em paragens familiares, lá para a Serra da Estrela, onde a paisagem ainda é alva, apesar de Maio estar quase aí.
Vai um sorriso complacente para aquele que nos apontou da janela do restaurante o quarto onde havíamos pernoitado sete anos antes; antes de mandarmos vir os filhos. Um vislumbre de nostalgia ronda-nos por momentos, não por perda, mas por um passado revisitado, num presente tão mais desejado.
E também um especial agradecimento para o caricato Sr.º Jacinto que, depois do pequeno-almoço, abriu a minha mala para que eu pudesse guardar lá dentro uns simpáticos potes de mel. "Com os cumprimentos da casa!"
Mas nem tudo foi rústico, para contrastar! Porque nós somos quem somos, e a pasmaceira da aldeia só nos alicia quando combinada com uma discreta dose de insurreição. Pelo que houve lugar para um welcome drink no ice lounge, um brinde aos dias que se seguiriam. E sushi, num ambiente trendy, a mesa e os bancos corridos em tons cor de rosa. Com tempo para relaxar e reencontrar um casal migratório de amigos entre colunas e colinas estudantis - a eclética cidade de Coimbra! -, porque a amizade dita instruções rigorosas sobre não deixarmos de estimar sob pena desta não perdurar.
Por fim, vieram as manhãs solarengas nos parques e as tardes preguiçosas em casa, numa antecipação aos serões de cinema, com pipocas e maltesers à mistura. Duas vezes fomos ao salão de jogos. E duas vezes a adolescência voou, provocante, diante dos nossos olhos. "Vai uma corrida de carros para matar saudades?"
E assim, à nossa distinta maneira, fomos uma vez mais testemunhas de como há dias perfeitos, seja onde for, desde que acompanhados pelas pessoas certas. É um desfecho cliché, mas eles existem por um motivo!

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