segunda-feira, 23 de julho de 2012

O lago

Ouvia a música das cotovias enquanto os seus passos soavam secos na ponte sobre o lago. Os reflexos da água moviam-se ao longo do caminho, através das suas vestes claras, esbatendo-se no seu rosto e olhar profundo.
Chegou ao arco sob a imensa copa de um carvalho e parou, escutando o seu coração mudo e ignorando o cair das folhas à sua volta. Sentou-se no muro baixo à beira de uma suave cascata e permitiu-se absorver a melancolia do Outono. O Verão tinha sido tudo menos leve, levando consigo as esperanças que ela reunira com o florir das margaridas, no pátio da sua casa.
Tinha acabado de fazer dezasseis anos. Não era mais nenhuma criança, mas ninguém a tratava de outra maneira. Na verdade, queria ser como as suas irmãs e ter tantos pretendentes quanto os pequenos peixes que observava nadarem de um lado para o outro, debaixo dos seus pés.
Não herdara a beleza da sua mãe, mas o seu pai elogiava-a pela sua bondade. Quando o fazia, via-o entristecer-se e, logo em seguida, afastar-se. Isso magoava-a, apesar de sentir a dor dele como se fosse sua. Ela nunca conhecera a mãe...
As irmãs tinham os olhos verdes, mas os dela eram de um castanho escuro. A sua cabeleira ruiva não era tão longa e brilhante, pelo que na maioria das vezes usava-a enrolada num carrapito. Não sabia andar com graça ou lançar um sorriso atraente e odiava o seu rosto pálido salpicado de sardas, que lhe davam um ar infantil.
Suspirando como se exilasse um grande peso vindo de dentro, fez um gesto para arremessar uma pedrita ao lago, mas ficou de braço suspenso no ar ao reparar numa pequena embarcação branca que vinha na sua direção. Uma misteriosa neblina avançava na retaguarda.
À medida que o barco se aproximava, conseguiu ver que não trazia ninguém, navegando livremente e sem rumo, sabia-se lá há quanto tempo. Levantou-se e colocou-se de pé sobre o muro. Esperou que este passasse debaixo dela e, com um impulso, saltou lá para dentro. Sabia que este era um dos motivos pelo qual nunca a levavam a sério...
A embarcação balançou sobre a água, mas conseguiu equilibrar-se. Reparou, então, que não havia remos, nem sequer sinais de alguma vez ter transportado alguém. Uma sensação estranha invadiu-a, especialmente quando as brumas a engoliram e se adensaram em torno de si própria.
Rapidamente deixou de conseguir ver a ponte, o lago e as suas margens, e o som da queda de água, do chilrear e da brisa que desfolhava as árvores foi lentamente abafado até desaparecer. O silêncio tornou-se esmagador e uma dor de cabeça lancinante forçou-a a fechar os olhos até as suas forças se esvaírem e ela cair desmaiada como uma pedra lançada ao lago...

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