segunda-feira, 16 de abril de 2012

As Brumas do Oriente (2)

Era uma fêmea, ele sentiu-o quando a viu ondular atrás das colunas tombadas sobre a areia e da cauda emanou uma áurea, brilhando misteriosamente nas águas escuras, uma luz azul revelando um vulto esguio e voluptuoso, de longos cabelos flutuantes e reflexos marinhos numa pele sobrenatural.
De alguma forma admirou-se. Não esperava este encontro e o encanto ameaçou os escudos que tinha erguido em torno do seu corpo mortal.
Nunca seria um duelo mítico. Não estava à altura das histórias de glória e de imortalidade desta extraordinária criatura e do submundo onde pertencia. Não tinha dúvidas que o esmagaria entre as suas presas colossais, fosse homem ou mulher. Se já se sentia uma anedota, agora sentia-se humilhado. Haveria alguma forma de reclamar as pedras sem ter que lutar? Os fragmentos de esperança jaziam naufragados entre as ruínas silenciosas daquele mar.
Desviou, involuntariamente, o olhar para cima, milhas abaixo da superfície, onde certamente pairava um luar sombrio, navegando sobre o plácido manto sem sequer esboçar perturbar o seu espelho. Ainda lhe sobrava algum tempo para continuar a respirar, com segurança, debaixo de água.
Não possuía a profundidade e a reverência de um mito, mas trazia consigo uma pequena fracção de poder e magia daquele mundo. Não estava ali aleatoriamente, e só isso concedia-lhe valor e uma hipótese, ainda que a sombra dela.
Largou as dúvidas na corrente e enfrentou a sua profecia. Lançou o olhar no cenário em diante, para um cemitério que não permitia nenhuma forma de culto, de esplendorosas edificações, arqueadas pelo desgaste do tempo, que tinham-se tornado a morada de peixes e de outros animais marinhos.
Percorreu os blocos de pedra, a vegetação contígua e os bancos de areia, esforçando-se por tornar a sua visão mais nítida, imerso naquele imenso lençol baço. Até que os seus olhos encontraram duas pérolas brilhantes, redondas e temerárias, que sobressaíram do negrume de um pórtico onde os destroços se aglomeravam numa massa maior, e avançaram, um passo, o brilho frio crivado no seu corpo como facas afiadas.
Assistiu, com temor e repulsa, ao olhar que lhe congelou a alma, alçando um corpo monstruoso, alucinadamente curvo e carregado de escamas aguçadas. Duas extensas fileiras de dentes retorcidos, um focinho rugoso e encrispado e uma crina prateada, assemelhando-se à lâmina de várias espadas sobrepostas, compunham a cabeça daquela terrível criatura, guardiã dos mares, que observava, incrédula e ameaçadoramente, aquele que tivera a audácia de invadir o seu território interdito!

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