quarta-feira, 9 de maio de 2012

No pântano mal-amado (a dark tale for children)

Ele era um duende detestável, que vivia numa gigantesca árvore, tão feia e estranha quanto ele. A sua pele era cinzenta e translúcida, conseguindo ver-se os ossos quebrados através dela. Os cabelos eram escassos, mas mesmo assim conseguiam desgrenhar-se uns nos outros como os pêlos no interior do nariz de uma velha bruxa. E os seus olhos eram como duas cavernas escuras sem fim, rasgadas numa montanha agreste e solitária, cheia de rugas e borbulhas sebosas.
Quando ele falava, a boca distorcia-se num esgar assustador e a sua voz arrastava-se como uma lesma pestilenta, trazendo o bafo dos dentes podres, de onde se viam pendurados os restos de carne dos ratos que comera muitos anos antes.
Levantava-se todos os dias quando o sol se punha e deitava-se ao mesmo tempo que a pobre lua, que se encolhia de agonia cada vez que era obrigada a espalhar a sua sombria luz sobre ele. Ao pequeno-almoço, ele comia as órbitas e as patas dos gafanhotos e fazia chá com as asas dos morcegos. Arrotava sempre no fim, derrubando na mesa as aranhas das suas nefastas teias, armadas entre as velas que eram feitas com a cera dos seus ouvidos.
Nunca fazia a cama, nunca arrumava a casa, nem nunca a limpava. Também nunca recebia visitas, para quê dar-se ao trabalho? Mas tinha um plano, para o caso improvável disso acontecer, que era fazer ainda mais lixo e porcaria como sinal de boas-vindas, ou má fé! Era conforme para onde ele estivesse virado, que normalmente era para o lado que fosse mais endiabrado e maléfico. Na verdade, ele tinha muitas ideias para partidas de mau gosto, mas ainda não tinha tido oportunidade de as mostrar. Pois é. Ele era uma criatura muito desagradável e ninguém no pântano apreciava a sua companhia.
Até a casa onde ele vivia, uma abominável acácia, que em tempos fora bela e majestosa, desejada por todos os carvalhos, castanheiros e até pelos cedros - tão elegantes! -, perdera a sua frescura e murchara, reduzindo-se a uma mancha grotesca no lamaçal, quando o duende deformado se mudara para dentro dela. Lembrava-se do dia em que perdera todas as suas folhas num choro lamentável e quando todas as árvores a abandonaram, afastando-se dela perante a sua repugnante imagem.
Agora não passava de um grande e retorcido tronco oco, sem alma e sem vida, cujos ramos desmaiavam na lama, inabaláveis ao vento - se ele sequer se atrevesse a voar até ali - e a todas as intempéries. Nem uma única ave noturna tinha coragem de aterrar nas suas ramagens cheias de nódulos e quistos. O próprio sol recusava-se a dar-lhe calor!
Perdera toda e qualquer esperança de voltar a vestir as suas roupas de Primavera, de dar sombra aos casais de namorados e de brilhar refulgente no topo de uma colina verdejante. Sim, porque as árvores andam, sabiam? Mas muito devagarinho, os seus passos demorando anos para elas não serem notadas.
Que trágico destino, o dela...


Do último desafio.

1 comentário:

  1. Eu estou particularmente feliz por este resultado inesperado. E grande parte do motivo deve-se ao leo e à possibilidade de eu estar a ver aqui um pequeno caminho...

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