terça-feira, 17 de abril de 2012

Prisão (2)

Havia um rapaz, que desconhecia a história que assombrava a aldeia. Era um forasteiro, um viajante do sul, que errara por desertos extensos, montanhas áridas e lagos secos.
Percorreu as calçadas solitárias da aldeia, através das ruínas silenciosas. Espionou as casas, com curiosidade, cujas portas e janelas tinham sido vedadas com tábuas, do lado de fora. Escutou uma madeira solta chiar ao vento, algures. E chutou, distraídamente, uma garrafa vazia diante da taberna, que rolou e ecoou exageradamente no largo da igreja.
Achou aquele cenário absolutamente invulgar e, apesar dos seus olhos nómadas experientes, não conseguiu evitar um calafrio. Mas foi junto às barricadas e aos destroços da última ponte que estacou, com apreensão. O que poderia ter causado tamanho pavor às gentes daquela aldeia para se isolarem daquela maneira? Teriam abandonado as suas casas e as suas vidas à custa do quê? Será que tinham realmente fugido ou algo, fora do anormal, acontecera? Tantas perguntas sem resposta...
Lançou o olhar além do braço do rio, a corrente fina de água deslizava sobre os seixos limosos suavizando a paisagem. Observou a planície descoberta e o sopé das montanhas, onde começavam os bosques, uma massa tão escura como nunca viu. O que escondiam aqueles cerrados, para lá das colinas e de uma floresta tão tenebrosa?
Próximo de si, uma das barricadas tinha cedido, provavelmente, com o avançar do tempo. Pelo estado dos materiais supunha que teriam passado muitos anos desde que a aldeia ficara à mercê de si própria.
Aproximou-se a avaliou o caminho até ao rio. Na verdade, não havia caminho. Seria difícil e perigoso, mas a prática dizia-lhe que não era uma missão impossível, por isso, desceu, agarrado às pedras, à terra e até aos tufos resistentes de vegetação e apoiando-se nos socalcos do despenhadeiro.
Finalmente, os seus pés pisaram o leito do rio. O lençol de água era muito fraco e, em alguns pontos, a profundidade máxima chegar-lhe-ia, talvez, aos joelhos. Não podia era descuidar-se com as pedras soltas e escorregadias.
Antes de avançar, tirou a mochila que trazia às costas e guardou nela as botas e as meias que descalçou. Depois de arregaçar as calças, apeou caminho, aliviando e refrescando os pés cansados na água translúcida.
Do outro lado, o terreno era menos acidentado e mais arrelvado. Flores arroxeadas despontavam, dispersas no campo, e desta vez sentiu, com igual prazer, os pés pisarem a erva aquecida pelos últimos raios de sol do dia.
Teria que acampar para a noite e escolheu a orla da floresta, a nordeste, para o efeito.
Confortou o estômago com apenas água e bolachas. Esperava reabastecer-se na aldeia que, então, descobriu estar abandonada. Pelo menos encontrara água fresca, onde enchera o seu cantil. Mas amanhã teria que pescar e caçar, antes de entrar na floresta. Ou melhor, antes de descobrir uma entrada, dado a vegetação ser tão peculiarmente frondosa.
A noite estava quente, o vento tinha amainado umas horas antes, mas cobria-se com uma manta que tinha tecido com a pele de uma cabra que caçara no Outono passado e descansava, agora, debaixo de um salgueiro, atravessando com o olhar as folhagens até ao céu estrelado. Era a noite mais escura desde há um mês atrás, por isso viam-se tantas estrelas, milhares de pontos luminosos a brilhar debilmente num manto negro.
Estava quase a adormecer, perdendo-se nas malhas de sonhos supersticiosos, quando uma brisa gelada desceu sobre o seu rosto e um galho partiu-se muito próximo de si.
Levantou-se de um salto, ainda a tempo de seguir o som fugidio de arbustos a remexerem. Pareceu-lhe, para seu assombro, o som de uma gargalhada indecorosa a desaparecer nas profundezas da floresta...

2 comentários:

  1. Ok, isto definitivamente vai ter de continuar. Sabes que começa a assemelhar-se a uma interpretação dark da bela Adormecida... :)
    (não gosto menos por isso, atenção!)

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  2. Para já, não faço nenhuma ideia dos caminhos e cenários que atravessarão esta história. Mas lá chegarei...

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